Cabo Verde, a seleção que transformou esperança em história

A seleção mais simpática da Copa do Mundo de 2026. Assim podemos definir Cabo Verde, e não apenas pelo país integrar a comunidade lusófona, algo que sempre nos une aos demais que também falam o idioma português, mas principalmente por vermos a alegria de uma nação tão pequena e sofrida realizar o sonho de disputar um Mundial.

Pois é, uma condição tão natural ao Brasil — que não valoriza esse tipo de façanha porque a cada quatro anos para na frente da televisão para torcer em Copas do Mundo — se trata de um feito inédito na história de Cabo Verde, país de 525 mil habitantes, composto por dez ilhas, e apenas 4.033 km², cuja independência de Portugal deu-se em 1975. Não à toa, o conjunto de arquipélagos localizado na costa noroeste da África é a segunda nação menos populosa a se classificar ao maior evento esportivo do planeta — estando somente atrás da Islândia —, e a menor em termos de dimensão.

Aliás, uma classificação considerada quase impossível antes da bola rolar nas Eliminatórias, sobretudo porque os Tubarões Azuis estavam situados no mesmo grupo que Camarões — que participou de 8 dos últimos 11 Mundiais —, tendo ainda a Angola despontando como a segunda força da chave. E o empate sem gols diante dos angolanos em plena Cidade da Praia logo no jogo de estreia, somado a goleada por 4 a 1 sofrida frente os camaroneses na 3ª rodada, tornaram o caminho de Cabo Verde rumo à Copa do Mundo bastante complicado.

Em contrapartida, a incrível sequência de seis vitórias e um empate nos sete demais compromissos das Eliminatórias, que abrangem os triunfos sobre Camarões (1×0) e Angola (2×1) válidos pelo returno do qualificatório, foi suficiente para os cabo-verdianos carimbarem o passaporte para a disputa da primeira Copa do Mundo do país. Portanto, uma classificação histórica marcada pelo contundente 3 a 0 sobre Essuatíni no estádio Nacional, completamente tomado por 15 mil torcedores.

E como não poderia deixar de ser, a ansiedade tomou conta tanto dos jogadores quanto da torcida no primeiro tempo, que terminou empatado com o zero no placar. Entretanto, o tento de Dailon Livramento, aos 3 minutos da etapa final, acalmou os ânimos no estádio Nacional, tanto é que Willy Semedo aumentou a contagem pouco tempo depois, e o zagueiro Stopira, ídolo dos cabo-verdianos que retornou à seleção depois de se aposentar internacionalmente, completou a vitória por 3 a 0, no auge dos 37 anos de idade — sim, ele mais do que ninguém merecia isso!

Assim, o bom trabalho desenvolvido pela federação de futebol de Cabo Verde ao aproveitar a migração generalizada das ilhas durante as décadas de 1960 e 1970, quando o país ainda era colonizado, enfim, surtiu o efeito esperado, levando em consideração que metade dos jogadores titulares que enfrentaram a seleção de Essuatíni nasceram no exterior, sendo que 19 dos 25 convocados na última lista são naturalizados cabo-verdianos, chamados de “filhos da diáspora”.

Para se ter uma ideia, dentre os atletas que iniciaram a vitória sobre Essuatíni, o zagueiro Roberto Lopes é irlandês, o lateral Steven Moreira é francês, o meia Willy Semedo também nasceu na França, e os atacantes Jamiro Monteiro e Dailon Livramento, são de Roterdã, na Holanda, cidade natal também dos irmãos Deroy e Laros Duarte, além do ponta-esquerda Garry Rodrigues.

Ademais, é importante destacar que todos os 25 atletas selecionados pelo treinador Bubista na última Data Fifa atuam em clubes diferentes. Além disso, 15 jogam em países distintos, tais como Estados Unidos, Chipre, Israel, Irlanda e até Azerbaijão. Inclusive, o zagueiro João Paulo defende as cores do Sheriff Tiraspol, que embora faça parte da Moldávia, está sediado na Transnístria, um estado autônomo declarado que não é reconhecido oficialmente por ninguém. Isso explica porque Cabo Verde é apontada como a seleção mais internacional do mundo, com nenhum dos seus jogadores representando uma equipe local.

De acordo com o diretor de futebol da Federação Cabo-Verdiana, Rui Costa, a evolução da seleção sub-17 também é oriunda deste processo de recrutamento de descendentes espalhados mundo afora, o que significa que os Tubarões Azuis já trabalham visando o longo prazo. Por sinal, a ida de Cabo Verde à Copa do Mundo, certamente, despertará o interesse de outros jogadores em vestirem a camisa da seleção que ocupa a 70ª posição no ranking da Fifa.

Obviamente, o fato de estar entre as 48 seleções que disputarão o Mundial de 2026 renderá a subida dos cabo-verdianos na futura atualização do ranking da Fifa, lembrando que eles iniciaram o século XXI situados no 182º lugar, o que demonstra o progresso de Cabo Verde, quadrifinalistas da Copa Africana de Nações de 2023. À vista disso, é surpreentende vê-lo de fora da próxima edição do torneio continental que acontecerá ainda este ano no Marrocos, depois da péssima campanha nas Eliminatórias.

Por fim, outro grande responsável pelo êxito dos cabo-verdianos responde pelo nome de Pedro Leitão Brito, popularmente conhecido como Bubista, treinador que assumiu o comando da seleção de Cabo Verde em 2020, ou há exatos 2.086 dias. Sob o comando do técnico mais longevo e detentor do maior número de partidas no cargo, os Tubarões Azuis contabilizam o montante de 29 vitórias, 14 empates, 16 derrotas, 75 gols marcados e 54 sofridos, em 59 jogos.

Isto posto, por mais que Bubista não tenha conquistado nenhum título à frente de Cabo Verde, o simbólico ato de torná-lo o 14º africano a figurar numa Copa do Mundo vale tanto quanto qualquer volta olímpica, a exemplo da festa feita pelos cabo-verdianos por todo o país após a classificação que pode até virar documentário da Netflix. A propósito, uma celebração merecidíssima ao povo que, em meados de agosto, sofria com as devastadoras inundações que causaram enormes danos e algumas mortes na Ilha de São Vicente.

Diante do exposto, fica evidente porque a caçula da Copa do Mundo de 2026 já nos emociona antes mesmo do hino cabo-verdiano tocar nos estádios de Estados Unidos, Canadá e México.

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